30 de OUTUBRO.



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" Se não é desta que o Senhor faz desabar o tecto da Culturgest sobre os incréus, então nunca mais é "
 VIA http://irmaolucia.blogspot.com/

ÀS VEZES.



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I.
Às vezes escondo-me no corpo e ninguém me vê.
As pessoas falam comigo e não notam que eu não falo com elas.
Posso até dizer algumas palavras,
posso até exprimir-me num longo discurso,
mas a verdade é que não falo com elas.
Estou escondido algures no meio do meu corpo.
Enfio-me todo no esófago ou no centro da artéria aorta ou na veia jugular,
e, por vezes, quando estou mais tímido, chego mesmo a esconder-me nos músculos da planta do pé.
Apesar de não saber os nomes destes músculos escondo-me lá muitas vezes.
Aliás, é melhor fugirmos para sítios de que desconhecemos o nome: ficamos ainda melhor escondidos.
É a minha opinião.

A minha personalidade a refugiar-se inteira no dedo mínimo do pé esquerdo, vejam bem.
Por vezes acontece-me.
O meu EU alojado no dedo mínimo do pé esquerdo.
Os mais importantes pensamentos concentrados no dedo mínimo do pé esquerdo.
As minhas sensações mais íntimas escondidas no dedo mínimo do pé esquerdo.

Quando me pisam é que é uma desgraça.
Só se tiver a sorte de me pisarem o outro pé.
Quando me pisam o pé mais importante começo a gritar; e começar a gritar é o começo do fim.
Quando gritamos não nos podemos esconder.
O corpo vem todo à pele ver o que se passa.
A pele é como se fosse uma janela.
Quando gritamos de dor, todas as células do corpo vêm à janela, ou seja, à pele, para assistir à procissão.
Mas há muitas células do meu corpo que não concordam totalmente com as minhas ideias.
Obedecem-me porque não têm alternativa, mas nas costas gozam-me e por vezes insultam-me.
Prefiro mesmo assim os insultos.
Os insultos são pequenas pancadas vindas do fundo dos órgãos.
É mais ou menos suportável.
O terrível é quando se põem a rir de mim.
Eu digo:
— Sou um grande acrobata,
e sinto logo algumas células a rirem-se.

As costelas abanam todas.
Os dentes é como se tivessem muito frio.
Os dedos dos pés encolhem-se.
É como se soprasse uma rajada de vento no meio do corpo.
Ainda por cima riem-se de quem as alimenta.
Se isto não é ingratidão, não sei o que é ingratidão.

Células más, um dia ainda vos mato.

O problema é que elas me têm por refém.
É impossível matar as próprias células do corpo sem morrer.

Parecendo que não, esta vida é muito complicada. 
 
Gonçalo M. Tavares 
O homem ou é tonto ou é mulher 
Campo das Letras, 2002




II.
Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na
possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.
 
Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo,
brincar com a poesia,
com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Não fazem sentido as lógicas,
as filosofias,
as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe
que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo
porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas,
as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de ser,
alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às
mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo,
mas que adianta?
Estamos sozinhos
Se não estamos, vamos estar.
Oa amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de
lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes
descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não
adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar,
tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos
 fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e
isso é bom, e até parece ser bonito, mas não adianta nada,
não resolve nada,
não adianta nada.
 
Gonçalo M. Tavares 
O homem ou é tonto ou é mulher 
Campo das Letras, 2002

HOJE SINTO-ME ASSIM:



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[de Mikael Larsson.]

SUGESTÕES.



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Hoje - Abertura do Ciclo Agnés Varda na Cinemateca.
(Festa Do Cinema Francês.)
 
Também Hoje - Ciclo de Cinema Neo-Realista Italiano na Casa da Achada.
(Casa da Achada - Centro Mário Dionísio.)

BIG DAY COMING, HERE COMES MY BABY.



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O DESENHO QUE NUNCA ACABA.



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Way Of The Sheep,
do alemão Markus Neidel.

PILOBOLUS.



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Isn't it beautiful what hands can do?
Campanha Volkswagen



Life Shapes 
Campanha Hyundai Santa Fe


Ambas pela companhia de dança PILOBOLUS.

ESTA GAJA É ESTÚPIDA.



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E pronto, veio à tona a estupidez da Maitê Proença quando ela decidiu "satirizar" Portugal num vídeo onde se percebe que, nos casos de certa gente, à falta de um guião ou teleponto, é preferível estar calado. Não faz mal, também nunca engracei com brasileiros - Ai que sou tão alegre, ai tira o pé do chão, ai que gosto tanto de Portugau, ai a merda - Não faz mal, nunca acredito.

AINDA OS XX.



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"Basic Space" - The XX

AS DOZE CADEIRAS.



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" Eram tantas as barbearias e as agências funerárias espalhadas pela capital de distrito N, que os seus citadinos pareciam nascer apenas para fazerem a barba, cortarem o cabelo, borrifarem a cabeça de água perfumada e morrerem logo de seguida. "
 
in "As Doze Cadeiras" 
Iliá Ilf e Evguéni Petrov 
(Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Ed. Campo das Letras)

AI.



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É o José Malhoa que canta o genérico do Dragon Ball não é?

TEMOS PENA, BACORINHO.



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Pedro Mexia
" Acaba de sair Uma Longa Viagem com António Lobo Antunes (Porto Editora), entrevistas com e sobre o autor feitas pelo jornalista João Céu e Silva. A páginas tantas, Céu e Silva pergunta: «Nunca se aborreceu com nenhum crítico?». Lobo Antunes responde: «Nunca disse nada, posso não gostar mas nunca digo nada. Mas é mais fácil não gostar das críticas boas, porque me parece que são por razões erradas. Critica más, não sei… Houve um senhor que eu não conheço, chamado Pedro Mexia, que escreveu mal sobre este último livro [O Meu Nome é Legião]. Não me aqueceu nem me arrefeceu, o homem não percebeu nada daquilo que estava a ler. E está mal escrito e tem mentiras». Como imaginam, nos dez anos que levo a escrever essencialmente sobre literatura portuguesa, fui alvo de dezenas de ataques e insultos. Não ligo. Sempre achei esquisito que um autor dê réplica a um crítico, e ainda mais que um crítico se dê ao trabalho da tréplica. Só respondi uma vez, e exactamente pelo motivo pelo qual respondo agora. Não contesto o que diz Lobo Antunes sobre a minha inteligência e a minha escrita. É a opinião dele. Registo apenas que quando elogiei Exortação aos Crocodilos e as suas crónicas, devo ter sido extraordinariamente inteligente e elegante na minha prosa, visto que Lobo Antunes não disse nada. É normal. Quando um crítico não gosta de um livro, é estúpido e escreve mal. Acontece que a seguir Lobo Antunes diz que a minha recensão «tem mentiras». Isso já me encanita. Tenho todos os defeitos do mundo, mas esse não é um deles. Aliás, Lobo Antunes não diz qual é a «mentira». Nem lhe chama um «erro», ou um «lapso». Eu seria o primeiro a admitir que já cometi erros e lapsos em dez anos de textos, estranho seria que fosse infalível; mas mentir significa afirmar factos falsos e que sabemos que são falsos. E isso Lobo Antunes, por mais nobelizável que seja, não pode afirmar, sem exemplos nem provas, sob pena de parecer um biltre. Tanto mais que ele, ó céus, me chama mentiroso na mesma resposta em que mente. Lobo Antunes diz: «um senhor que eu não conheço». É uma estratégia antiga: se ele «não conhece» é porque tal pessoa não existe, fulminada por uma espécie de morte civil. Que importância pode ter um sujeito que Lobo Antunes «não conhece»? No entanto, a verdade é que Lobo Antunes me conhece. Soube das críticas positivas, porque disso me chegou notícia, e sabe quem eu sou porque nos cruzámos dezenas de vezes no mesmo restaurante na Estefânia e nos cumprimentávamos com um aceno de cabeça (até à tal crítica, claro, a partir daí ele virou a cara). Mais: quando lhe pedi um autógrafo numa Feira do Livro, ele olhou para mim quando eu disse o meu nome, e confessou, espontaneamente, que tinha gostado de um dos meus livros de poemas. Escreveu isso mesmo numa dedicatória: «Para Pedro Mexia, porque gostei do seu livro». Portanto aqui temos um homem que chama mentiroso a alguém, sem dizer qual é a mentira, e que diz várias mentiras. Nunca fui amigo de Lobo Antunes, mas no sentido comum da palavra ele «conhece-me», ou seja, sabe que existo, já trocámos meia-dúzia de palavras, ele reconhece-me quando me vê. E até gostou de um dos meus livros, que nem fui eu que lhe ofereci. A resposta de Lobo Antunes está aliás marcada pelo princípio da denegação. Quem é que diz que determinada pessoa «não aquece nem arrefece» e depois se dedica a atacar essa pessoa? E não sou só eu: «Há um homem no Expresso, um tal de António Guerreiro, que a cada livro me tem crucificado. Também não o conheço, é-me completamente indiferente». Mas se é indiferente, porque é que fala nisso, tanto mais que já o matou dizendo que «não o conhece»? Lobo Antunes contrapõe à vil crítica lusa os «críticos muito bons» que há «na Alemanha» e «em Espanha». Mas quando Céu e Silva cita um crítico espanhol que faz algumas restrições a um romance de Lobo Antunes, este responde, fatalmente: «Não o conheço». E depois: «Quero lá saber o que ele diz». Lobo Antunes gosta de críticos que «conheça» e que elogiem os livros dele, todos. Os outros são anónimos pouco espertos e que nem sabem escrever. O mais estranho de tudo é que Lobo Antunes já disse várias vezes que «nunca» lê a crítica. Para quem não lê, está muito bem informado. Para quem chama mentirosos aos outros, farta-se de mentir. "

* * *

E é (também) isto que solenemente me vai irritando no Pedro Mexia (esse "bacorinho tenro", como certo dia lhe chamou mi muy estimada Ana): ser tão certo o meu odiozinho de estimação por aquela figura alva dos mil e um discursos intelectualmente pretensiosos como a fiel dependência que, ainda assim, e fazendo jus ao meu estatuto de mirone, vou nutrindo pelos escritos que vai deixando aqui ou acolá. Cadelinha farejadora.

Le duo des chats.



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Ó sublime! Ó celeste! 
[ Gentilmente remetido por Miguel. ]
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OS VOYEURS.