A Faca Não Corta o Fogo.



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na morte de Mário Cesariny
corpos visíveis, nobilíssimos, inseparável luz que move as coisas, ter um inferno à mão seja qual for a língua, toda a água é inocente e escoa-se entre as unhas, à porta do forno crematório alguém lhe toca, vai lá, vai que te acolham, brilha, brilha muito, brilha tanto /quanto não possas, brilha acima, faz brilhar a mão que melhor redemoinha, a mão mais inundada, e ele entra sem esperança nenhuma, só na última linha quando o coração rebenta, reconhece quem o olha
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(...) Ouvi dizer que os mortos respiram com luzes transformadas. Que têm os olhos cegos como sangue. Este corria, assombrado. Os mortos devem ser puros. Ouvi dizer que respiram. Correm pelo orvalho dentro, e depois estendem-se. Ajudam os vivos. São doces equivalências, luzes, ideias puras. Vejo que a morte é como romper uma palavra e passar — a morte é passar, como rompendo uma palavra, através da porta, para uma nova palavra. E vejo o mesmo ritmo geral. Como morte e ressurreição através das portas de outros corpos. Como uma qualidade ardente de uma coisa para outra coisa, como os dedos passam fogo à criação inteira, e o pensamento pára e escurece — como no meio do orvalho o amor é total. Havia um homem que ficou deitado com uma flecha na fantasia. A sua água era antiga. Estava tão morto que vivia unicamente. Dentro dele batiam as portas, e ele corria pelas portas dentro, de dia, de noite. Passava para todos os corpos. Como em alegria, batia nos olhos das ervas que fixam estas coisas puras. Renascia. Herberto Helder, in A Faca Não Corta o Fogo (súmula & inédita)", 2008, Assírio & Alvim
porque é raridade cobiçada, mais excertos aqui.

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