ODE À NOITE (INTEIRA).



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Gosto do momento, exacto ou nem por isso, em que se torna possível colar cartazes nas paredes ao lado dos meus ombros (espero o autocarro, vejo devagar, sorrio). Mas gosto, sobretudo, dos cães quase sem dono que roçam as esquinas, pisando restos de garrafas - ou das pessoas que desconheço e das bebidas todas que ignoro (porque me matam menos e se chamam - como eu - insónia, pesadelo, golpe baixo). Existem, claro, raparigas louras um tanto heteredoxas que não te apetece beijar (a forca do bâton, perfeita - o cigarro aceso pedindo outro lume). Essas mesmas que hão-de um dia procriar com zelo, evitando rugas, tumores e o mundo como representação misógina. Mais lírica, sem dúvida, é a lavagem das ruas, com a cerveja a premiar a farda demasiado verde e os bigodes de serviço. Outros, alguns, tornam concreto o torpor de um charro e pedem-te em crioulo básico um cigarro português que tu vais dar, sem esforço nem palavras. Entre shots, piercings, t-shirts de Guevara e gel, podes não acreditar por algumas horas no axioma frágil do teu corpo. Esfumas-te, como eles, no espelho de um bar qualquer, país de enganos e baratas. E quase gostas disso, quase: a música de punhais, servil, um certo e procurado desencontro. Um táxi te ensinará depois o caminho de casa - ou o seu contrário, pois só ali (anónimo e desfocado) eras finalmente tu, ou podias ser. O resto, a vida, fica para outra vez. Manuel de Freitas

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