"Baixo a vidraça mas, ouvindo através dela a balbúrdia da rua, preparo-me para uma noite difícil. Enquanto não adormecer vou pensar certamente no tema «Toda a festa é uma demonstração de poder», e daí sairá um caudal de lembranças nocturnas – Regedor, política, cosmonautas, amor, coisas boas. De raciocínio em raciocínio irei longe, darei voltas para chegar a casa do Engenheiro conquistada pelas lagartixas, que são para mim, o tempo (português) da História. Ficarei um instante parado, à sombra. Descerei o vale por cima de uma cama de fetos, aproximando-me em sonhos da lagoa, com as suas águas tristes, sua solidão, seus segredos... até que ao primeiro tiro da madrugada se levantarão os patos de asa crespa numa esfera de som e de poalha de luz."
JOSÉ CARDOSO PIRES, in O Delfim, 15.ª edição, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997
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