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"Como sobreviver ao "indie chic" e voltar a amar o cinema independente?"



7 COMENTÁRIO(S)
Texto de Ann Hornaday Exclusivo PÚBLICO/"Washington Post" Tradução: Rui Brazuna
Já vimos este filme antes? Cena de abertura: o quarto de um adolescente. As paredes estão forradas com "posters" de bandas de culto. A banda sonora toca um tema na berra. Os créditos correm como se alguém os desenhasse num bloco de notas, numa letra nervosa e animada. A intriga tem a ver com uma qualquer disfunção familiar, transgressão social ou autodescoberta adolescente. Se bem que chegue a uma conclusão, que pode ser sombriamente divertida ou apenas sombria - muitas vezes através de uma louca viagem de carro, onde ocorrem epifanias -, os protagonistas ultrapassam-se uns aos outros com referências da cultura pop que ou estão na moda ou são obscuras. Chamemos-lhe "Haverá Telefones-Hambúrger": mais de 20 anos depois do cinema independente americano ter entrado numa idade de ouro, aquilo que começou como uma ardente resposta a Hollywood e aos seus géneros dominantes tornou-se também num género. E como todos os géneros, a estética independente está cheia dos seus clichés, figuras de estilo gastas que afundam o mais previsível filme de acção ou a mais banal comédia romântica.

Família disfuncional? Experimentem "Rachel Getting Married" [Jonathan Demme]. Adolescente isolado? Aí está "Donnie Darko" [Richard Kelly]. Tabus sexuais? Referências elaboradas à história da pop e humor sardónico? Eis "Rushmore" [Wes Anderson]! Uma banda sonora que não pode estar mais na moda? Oiçam a de "Garden State" [Zach Braff], vai mudar a vossa vida. Um dominante tom de distanciamento irónico: a ironia está para o cinema independente como o cavalo está para o "western" e a rua banhada por chuva para o filme negro.

A seu crédito, "Nick and Norah's Infinite Playlist" [Peter Sollett] - o mais recente exemplo do cinema independente da moda - é leve em termos de ironia. As audiências que foram seduzidas por este romance adolescente que tem como protagonistas Michael Cera e Kat Dennings (interpretam namorados obcecados por música) podem ter tido uma sensação de "déjà vu" ao verem a fauna da cena musical. Temos os créditos em letra tremida, a banda sonora dominada por bandas alternativas como Band of Horses, Devendra Banhart e Vampire Weekend, e o velho Yugo amarelo de Nick. Será que o Yugo é o telefone-hambúrger deste ano? O telefone-hambúrger foi um indicador definitivo do cinema "indie" em "Juno" [Jason Reitman], o êxito inesperado de 2007, uma elaboração sobre os temas e figuras de estilo do "indie". Escrito por uma antiga "stripper", apresentava todos os clichés do cinema independente: - Tema tabu? Gravidez adolescente. - Jovem protagonista peculiar? Uma heroína adolescente, sábia e de língua afiada. - Músicas na moda? A banda sonora pela banda de culto Moldy Peaches. - Referências obscuras à pop? Uma interminável barragem de meta-referências, que vão de velhos filmes de série B e televisão ("Suspiria," "Thundercats") a bebidas e pastilhas para o mau hálito. As multidões que tornaram "Juno" num sucesso viram-no como algo de novo e fresco, até mesmo os seus estilizados diálogos. Mas quem tenha visto anteriormente "Heathers" [Michael Lehmann], "Ghost World" [Terry Zwigoff] e "Garden State" decerto ficou com a sensação que já tinha dado para aquele peditório.

E depois de "Pulp Fiction"...

Os filmes independentes costumavam ser coisa para cinéfilos, para os frequentadores de festivais que riam das piadas de caserna, que apreciavam os seus parcos meios de produção e aplaudiam a sua ousadia formal. Tudo mudou em 1994, quando "Pulp Fiction", que custou 8 milhões de dólares, ultrapassou os 100 milhões de receitas só nos EUA. Desde então, filmes de "pequeno orçamento" têm sido produzidos incessantemente por companhias ligadas aos grandes estúdios e por jovens cineastas ambiciosos em busca de uma carreira de sucesso em Hollywood. Quando Diablo Cody, a argumentista de "Juno", ganhou este ano o Óscar, ficou claro que os princípios que tinham tornado os filmes independentes tão atraentes revelavam ser maneirismos cínicos: a espontaneidade tornou-se estudada; a intimidade preciosa; a ousadia passou a ser o seu próprio valor de choque; o que era pessoal ficou superficial e solipsista; e o desejo de desafiar a narrativa linear transmutou-se em algo de incoerente e pretensioso.

Com o crescimento de "nomes" sinónimos de cinema "indie", como o Festival de Sundance e a companhia Miramax, e com Hollywood a abraçar os tiques deste tipo de filmes, o termo "independente" perdeu significado, tornou-se tanto ferramenta de marketing como declaração artística. Subitamente parecia que as salas eram inundadas por cópias de "Pulp Fiction", e semana sim semana não as edições da revista "Entertainment Weekly" davam destaque a histórias sobre cineastas que financiavam as suas obras com os cartões de crédito das mães. "Slacker" deu origem a "Clerks" [Kevin Smith], que por sua vez originou "Swingers" [Doug Liman] e dúzias mais. O cinema recente está cheio de árvores genealógicas cinematográficas. "Uma Família à Beira de Um Ataque de Nervos", sobre uma família com problemas que faz uma viagem de carro para que a sua filha de 7 anos participe num concurso de beleza, é parecido com "The Daytrippers", a deliciosa comédia de Greg Mottola, realizada uma década antes, sobre uma família que discute muito e que fica presa num carro em Nova Iorque. Tinha também traços de "Thumbsucker" [Mike Mills], "Donnie Darko", "Flirting with Disaster" [David O. Russell] e de "Welcome to the Dollhouse", o muito imitado filme de Todd Solondz.

Ou tomemos como exemplo o recente "Baghead" de Jay e Mark Duplass. Esta comédia de horror contemporânea tem uma clara dívida para com "O Projecto Blair Witch", o filme faça-você-mesmo de 1999 que com o seu falso elenco amador e o seu irrequieto trabalho de câmara deu novo fôlego ao falso documentário que foi desenvolvido até à perfeição cómica por Christopher Guest.

Personagens que não vimos antes

Será que os filmes independentes podem ser salvos? Sim, mas só se fizermos a pergunta de modo diferente. É altura de deixar de falar sobre orçamentos, sobre "vanguarda" e biografias de cineastas - talvez mesmo o termo "indie" deva ser banido - e em vez disso redescobrir valores como a inteligência, verdade emocional, peso moral e comedimento, que serão algo de duradouro muito depois de os temas recorrentes do "indie-chic" e o hermetismo arrogante se terem completamente gasto. Por esse padrão é claro que as novas vozes e visões estão ainda a aparecer através dos meios tradicionais da imaginação financeira e sucesso saído do nada. Filmes recentes como "Old Joy" [Kelly Reichardt], "The Savages" [Tamara Jenkins], "Half Nelson" [Ryan Fleck] e "Lars and the Real Girl" [Craig Gillespie] provam que nas mãos de cineastas seguros até temas comuns no cinema independente podem resultar em algo convincente.

Alguns dos melhores filmes deste ano têm sido independentes, no sentido mais clássico da palavra. "Frozen River" [de Courtney Hunt; passa-se numa reserva mohawk, na fronteira entre EUA e Canadá, onde duas mães solteiras são obrigadas a fazer contrabando], "Chop Shop" [de Ramin Bahrani: a vida de rua de um órfão latino, em Queens, Nova Iorque] e "The Visitor" (de Tom McCarthy, o realizador de "The Station Agent's") cada um deles conta uma história bem construída sobre personagens que nunca vimos anteriormente, de modo simples e espontâneo. Outra marca brilhante no horizonte é "Wellness", de Jake Mahaffy, que quase ainda não foi visto no circuito dos festivais, mas que faz virar cabeças onde quer que passe. O perturbante, mas bem desenvolvido drama de Mahaffy sobre um caixeiro viajante na Pennsylvania sugere o aparecimento de um novo género: o neo-realismo americano pós-industrial.

Ou consideremos ainda o intenso drama sobre a guerra do Iraque "The Hurt Locker", de Kathryn Bigelow, o drama político "Nothing but the Truth", de Rod Lurie, "Che", o épico de Soderbergh, e "Sugar" do casal responsável por "Half-Nelson" Anna Boden e Ryan Fleck [a história de um jogador da República Dominicana que, inspirado pelo filme "Campo de Sonhos", quer jogar no campeonato americano] foram todos produzidos fora dos grandes estúdios. Ou "Medicine for Melancholy", de Barry Jenkins: este sereno romance cómico sobre um casal afro-americano em São Francisco podia ser acusado de sucumbir aos perigos do cinema independente, se não os tivesse ultrapassado de forma inteligente virando do avesso os pressupostos sobre raça e a segregação da cultura pop.

Em termos de financiamento, antecedentes e visão, estes filmes não podiam ser mais independentes. Mas nenhum deles está preocupado em estar na crista da onda ou em ser inovador; em vez disso, tal como exortava Tchekhov, preocupam-se simplesmente com "aquilo que flui livremente do coração". Sem maneirismos, artifícios ou gestos que reclamam atenção, fazem algo de radical. Contam bem as suas histórias e de forma simples. Sai da frente, cinema "indie": a velha escola do classicismo pode estar de regresso.

7 COMENTÁRIO(S):

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

obrigada.

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

btw, na imagem (cujo filme não conheço), a tipa parece uma barbie.

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

já descobri.
Lars and the Real Girl

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

pera lá que fui agora ver agora o trailer (costume que tenho sempre que quero adicionar um filme à minha lista dos 'para ver') e cheguei à conclusão de que o que afirmei no 2º comentário afinal é mesmo verdade.

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

ahah!
sim, o filme é efectivamente Lars & The Real Girl. Mas a 'rapariga' é na realidade uma boneca insuflável num estado avançado de progresso, de modo a que se assemelhe a uma humana.
é um filme bastante bom, se bem que não descansei - e aqui o meu irmão achou-me doentia - por não haver no filme uma cena em que um amigo do Lars lhe tenha tentado violar a 'namorada', afinal servindo-se daqueles que à partida sao os mais reais propósitos dela. acho que teria completado muito bem o filme pelo acréscimo de dramatismo. mas talvez vás perceber melhor isto quando oo vires! [vou enfiar-te ali nos links]

Anonymous at: Sunday, 26 October, 2008 said...

fiquei interessadíssima no filme. E sim, mesmo só vendo o trailer parece-me boa a sugestão de violaçao, ahah.
o filme já está na minha lista (assim como o teu blog, que já lá estava. e já agora obrigada pelo acréscimo nos teus links)
agora tenho que ler o que escreveste neste post com mais atenção que foi um bocado por alto.

[curiosidade]
verificação de palavras:
blatice

analise:
blog + tagarelice = o que eu ando aqui a fazer

(o que vale é que eu vejo mensagens escondidas em tudo o que é verificação de palavras)

Anonymous at: Tuesday, 19 June, 2018 said...

thank you

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